Você sabe o que são boas práticas na manipulação de alimentos?
- raquel raq
- 18 de jul. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 31 de ago.
BOAS PRÁTICAS NA MANIPULAÇÃO DE ALIMENTOS - Parte I
A Segurança Alimentar como Pilar da Saúde Pública
INTRODUÇÃO
Em um cenário onde se busca cada vez mais qualidade de vida e bem-estar, os vegetais — frutas, verduras e legumes — continuam sendo pilares fundamentais da alimentação saudável. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), pelo menos 60% das mortes no mundo poderiam ser adiadas ou evitadas com mudanças no estilo de vida, incluindo o consumo diário de ao menos cinco porções (400 g) de vegetais in natura.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que ganham espaço na alta gastronomia e na rotina alimentar da população, os alimentos vegetais também figuram entre as principais causas de surtos de Doenças Veiculadas por Alimentos (DVAs). Isso evidencia um desafio urgente: conciliar o aumento do consumo de alimentos frescos com a aplicação rigorosa das boas práticas de manipulação, cultivo e preparo.
CENÁRIO INTERNACIONAL DAS DOENÇAS VEICULADAS POR ALIMENTOS
União Europeia
Mesmo com sistemas de controle e vigilância alimentar avançados, a União Europeia não está imune aos surtos de origem alimentar. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 2011, quando um surto de Escherichia coli O104:H4 — associado ao consumo de sementes de feno-grego — atingiu mais de 4.178 pessoas na Alemanha, resultando em 51% de hospitalizações e 48 óbitos.
A Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) apontou a origem do surto em sementes contaminadas importadas do Egito, utilizadas tanto para produção de brotos quanto como especiaria. O caso destacou os riscos inerentes ao uso de vegetais crus e ao comércio internacional de ingredientes.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, o surto mais emblemático ocorreu em 1993, com a contaminação de hambúrgueres da rede Jack in the Box por E. coli O157:H7. O episódio atingiu cerca de 700 pessoas em quatro estados, principalmente crianças, e levou a quatro mortes. As consequências foram devastadoras: falência da rede, milhões em indenizações e reformas profundas nas políticas de segurança alimentar.
Em 2011, outro surto grave envolveu a bactéria Listeria monocytogenes, associada ao consumo de melões contaminados. O caso resultou em 13 mortes, 72 infectados e propagação em 17 estados norte-americanos.
BRASIL: DADOS E OCORRÊNCIAS
Entre 2000 e 2011, o Brasil notificou 8.663 surtos alimentares. Em 2016, houve uma redução para 543 surtos, frente a 673 em 2015, segundo dados do Ministério da Saúde. Contudo, a subnotificação continua sendo uma preocupação crítica.
Casos notáveis:
2011 – RS: Surto por E. coli e Salmonella spp. em hambúrgueres e molhos. Aproximadamente 231 pessoas infectadas.
2013 – MG: Surto por Salmonella enteritidis em alface, com 90 expostos e 38 doentes.
BOAS PRÁTICAS E SEGURANÇA ALIMENTAR
1. Regulamentação Nacional
A segurança alimentar no Brasil é regulamentada principalmente pela RDC n.º 216/2004 da ANVISA, que estabelece o Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Este documento define diretrizes para higiene pessoal, manipulação, preparo, armazenamento e comercialização dos alimentos.
Boas Práticas (BP) são conjuntos de medidas adotadas para garantir a qualidade sanitária e a conformidade dos alimentos, visando minimizar os riscos de contaminação e surtos alimentares.
BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS (BPA)
As Boas Práticas Agrícolas são essenciais para o controle da qualidade desde o cultivo até a colheita. Devem ser observadas em todas as etapas da produção primária.
1. Solo
Antes do plantio, é imprescindível avaliar:
Contaminação por metais pesados e defensivos;
Qualidade da água utilizada;
Presença de resíduos orgânicos e animais.
2. Adubação
Orgânica: Deve passar por compostagem adequada (mínimo de 90 dias antes do plantio), eliminando patógenos.
Química: Riscos relacionados à presença de resíduos e metais pesados.
Importante: É proibido o uso de dejetos humanos como fertilizante.
3. Irrigação e Pós-Colheita
A água utilizada para irrigação e lavagem deve ser potável ou tratada, uma vez que rios, açudes e cisternas abertas são fontes recorrentes de contaminação biológica.
4. Transporte e Armazenamento
Ambientes limpos, secos e arejados;
Separação de alimentos crus e prontos para o consumo;
Controle rigoroso de temperatura.
PERIGOS BIOLÓGICOS E MICROBIOLÓGICOS
As bactérias são os principais agentes causadores de surtos alimentares no Brasil, segundo dados da ANVISA e do Ministério da Saúde.
Principais agentes patogênicos:
Salmonella spp.Associada a carnes mal cozidas, ovos e hortaliças. Pode causar febre, diarreia e vômito.
Escherichia coli (O157:H7 e outras cepas)Presente em carnes cruas, vegetais contaminados, leite não pasteurizado. Pode causar desde gastroenterite até Síndrome Hemolítico-Urêmica (HUS).
Listeria monocytogenesAfeta especialmente gestantes, recém-nascidos e imunodeprimidos. Transmitida por queijos não pasteurizados, embutidos e vegetais crus.
Staphylococcus aureusProduz toxinas resistentes ao calor. Associado à contaminação cruzada e manipulação incorreta.
Esporos bacterianos e resistência térmica
Algumas bactérias formam esporos resistentes, que podem sobreviver ao cozimento e germinar posteriormente, especialmente em alimentos mal refrigerados. Para controle, são utilizados conservantes químicos, como:
Ácido sórbico;
Ácido benzoico;
Nitrito de sódio (em produtos cárneos).
FUNGOS E MICOXINAS
Embora menos associados a DTA agudas, os fungos causam perdas econômicas expressivas e são responsáveis pela produção de micotoxinas, que resistem a altas temperaturas (acima de 200°C).
INFECÇÕES MICROBIANAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS
As infecções alimentares se dividem em:
Infecções bacterianas: provocadas por ingestão de bactérias viáveis (ex: Salmonella).
Intoxicações: provocadas por toxinas microbianas pré-formadas nos alimentos (ex: Staphylococcus).
Toxi-infecções: provocadas pela ingestão de bactérias que produzem toxinas no intestino (ex: E. coli O157:H7).
A MICROBIOLOGIA NA ALTA GASTRONOMIA
Mesmo restaurantes premiados estão sujeitos à contaminação. Em 2013, o restaurante NOMA (2 estrelas Michelin), na Dinamarca, enfrentou um surto de intoxicação alimentar, afetando 63 clientes. A ocorrência reforça que nenhum estabelecimento está isento da responsabilidade sanitária, independentemente do nível gastronômico.
O projeto "Microbiologia na Alta Gastronomia" propõe avaliar o impacto das técnicas culinárias modernas (cozimento sous-vide, fermentações naturais, esferificação, entre outras) na viabilidade microbiológica dos alimentos preparados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança dos alimentos começa muito antes de chegar à cozinha. Ela se inicia no campo, passa pelo transporte, armazenamento, manipulação e vai até o prato do consumidor. As Boas Práticas de Manipulação e Produção (BPAs e BPs) são essenciais para preservar a saúde pública, reduzir surtos alimentares e garantir qualidade à mesa do consumidor moderno.
Acompanhe a Parte II desta série, onde abordaremos a estrutura dos serviços de alimentação, higiene pessoal dos manipuladores, controle de pragas e manutenção sanitária dos ambientes de preparo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANVISA. Resolução RDC nº 216, de 15 de setembro de 200
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